A Cada Manhã O Mundo é Novo para Mim

Cadernos e caneta em cima de uma mesa

A Cada Manhã O Mundo é Novo para Mim

Numa quinta pequena, um pomar com árvores carregadas, frutos caídos no chão, a luz a entrar pelo muro da quinta. É manhã. Eunice acorda e demora-se na manhã. As folhas estalam-lhe por baixo dos pés a cada passo de pé descalço e ela, com a leveza nos braços com que as águias sacodem as asas para voar, avança pelo corredor de laranjeiras. Examina as folhas, leva-as até ao nariz. Cheira a flor, puxa-a com a sua mão suave até à sua pele branca, pálida e sardenta, protegida pelo grande chapéu de palha. Eunice detém-se naquele momento matinal, todos os dias, para inspirar o seu pomar. Fecha os olhos de pés assentes na terra e deixa-os repousar. Sente-os pousar, pesar, carrega-os contra as folhas secas, caídas, sente-os contra a terra que vai cobrindo os dedos e dali saem raízes, perfuram enérgicas, cada vez mais fundo, solo adentro. Eunice enraíza-se todas as manhãs no seu pomar. E de pescoço direito, sente o raio de sol que a puxa, como um fio de prumo, pelo cimo da cabeça, através do seu chapéu de palha, Eunice cresce. De tronco forte, seguro pelas suas enormes raízes, grandes, grossas, fortes no subsolo, Eunice estica-se e cresce mais um centímetro. Sente nas costas um espaldar, abre os braços e balança. Balança na dança das copas do seu pomar.

Eunice acorda e demora-se em frente ao espelho. De olhos fechados leva a água à cara e molha a pele áspera e sardenta com sabonete de flor de laranjeira. E é no ritual fresco da sua lavagem que esfrega os poros, adoça o dia, sem troncos, sem árvores, sem mel.